sábado, fevereiro 25, 2006

"O Consumo como Espelho do que somos"


Actualmente, nas sociedades modernas, assistimos ao encurtamento do “ciclo de vida dos produtos”; à medida em que diminui o tempo de lançamento de um novo produto (redução do “time to market”) o que por sua vez aumenta a pressão e a competitividade entre as empresas.

É investido bastante tempo e dinheiro por parte das empresas para descobrirem o que leva os consumidores a comprar e qual o seu comportamento e características. Esses estudos de mercado reflectem a evolução e as diferenças entre as expectativas do consumidor de antigamente e o de agora.

Penso que hoje em dia as empresas ganham imenso em prever o comportamento dos clientes para melhor irem de encontro às suas necessidades, reduzindo a margem de erro e aumento o nível de satisfação dos clientes e consequentemente garantindo a sua fidelização.

A ideia de que as pessoas são o que consomem não é de todo longínqua, parecendo por demais óbvia visto que as pessoas compram produtos para satisfazer as suas necessidades, sejam elas de que ordem e por tal os objectos que adquirem tornam-se em extensões e reflexos dos seus caracteres.

O Mundo de facto tem estado em mudança, principalmente nos seus valores e como factores (“dimensões”) dessa mudança, temos os seguintes:

- Velocidade – O frenesim das “sociedades em rede” tem como vítima não só o Tempo mas a Atenção que é também cada vez mais um recurso escasso. Para ir de encontro à necessidade de rapidez na resolução das preocupações dos consumidores, criaram-se várias estratégias de Marketing que asseguram a rapidez como negócio rentável. Temos como exemplos os serviços expresso em vários sectores de actividades e serviços (Lavandarias - 5 à Sec; Fotografias, sesviços de impressão e estampagem - Fnac, Kodak, entre outros). As pessoas exigem que as suas necessidades sejam satisfeitas de modo instântaneo.
Temos ainda a impaciência como característica do consumidor, daí que se criem produtos que dão resultados em poucos dias após o seu consumo: “Activia” da Danone com bifidus activo “em 14 dias o seu organismo funciona como um relógio”; Becel contra o colesterol em 3 semanas resultados comprovados; e claro as refeições caseiras (sopas e pré-cozinhados), que é só abrir e legumes saudáveis já preparados, prontos a comer (como na marca Bonduelle).

- Ciclos curtos – Como perfeito exemplo de produtos com ciclo de vida curto temos o software, o hardware e consumíveis da indústria electrónica; sejam portáteis, Desktop Pcs, pen drives, como os programas para computadores que no dia seguinte já precisam de upgrade. Não só de modas vive a venda de produtos, mas também da necessidade das pessoas. A impressão que tenho é que os bens materiais que sempre foram perecíveis, estão mais perecíveis que nunca.
Fala-se muito da “Era do Descartável”, mas a verdade é que em Portugal os telemóveis descartáveis e outros bens igualmente temporários não caíram nas graças da maioria da população. Nós (leia-se os Portugueses), não valorizamos o que se deita para o lixo, como explicou o Professor Gonçalo Silva aquando se debatia sobre os ditos telemóveis descartáveis que cá não existem. Aí surgiu-me de novo a marca IKEA na cabeça, digo de novo porque quando o Dr. Rui Marques falava das pessoas já não comprarem electrodomésticos a pensar que vão durar a vida toda, lembrei-me da nórdica IKEA que se instalou há pouco tempo em Portugal. A IKEA é um bom exemplo disto que estou a falar; os recheios para casa, desde talheres a móveis, apresentam-se agora não de prata e de mogno para a vida toda, mas com uma leveza no design e na concepção, que instauram a política dos bens mais efémeros que nunca, passíveis de serem trocados com alguma frequência, nem que seja por causa das cores da moda ou da estação vigente. A política da IKEA parece-me de uma inteligência racional absolutamente prática e eficaz, apesar, lá está, de haver muitos cépticos (em Portugal, nomeadamente na “velha guarda”) em relação a isso.

- Império do Novo – A “novidade” é objecto de grande atracção e os consumidores estão já habituados (pois “o Homem é um animal de hábitos”) a que lhes seja providenciada a dose praticamente diária de novidades. Daí se explica a venda de revistas sobre a vida alheia e outras repletas daquilo a que as pessoas consideram como novidades (info-tainment de que Bernstein falava). Há ainda que referir que como se não bastasse esta ânsia pelo “novo”, a “novidade” tornou-se também sinónima de chocante. Consome-se com facilidade e quer-se consumir produtos que têm atributos que a priori nos eram inimagináveis; que por exemplo são multifunções e depois acaba-se por nem se utilizar metade dessas funcionalidades (telemóveis de última geração), até porque é preciso tempo e know-how, tanto para saber usá-las como tão simplesmente para viver.
Esta urgência que as pessoas têm em consumir coisas que não as aborreçam vem ajudar em muito para o desenvolvimento das indústrias da imaginação e da criatividade, como por exemplo o cinema (aplicação de tecnologia e meios digitais; cinema híbrido) e a moda (nas grandes cadeias como a Zara, entre outras, cada vez mais conforto e design que imitam as últimas tendências a preços acessíveis).

- Abundância e Diversidade – O consumidor hoje em dia vai tendo cada vez mais poder negocial. Perante um leque variado de escolha, até bastante democrático pois existe de tudo a todos os preços para todas as pessoas, os tempos da infidelidade são apenas uma consequência dessa abundância, pois ninguém se sente (nem é) obrigado a comprometer-se. Temos o recente exemplo do “Sapo Free” que no próprio anúncio televisivo apela ao não compromisso.
Quantas vezes já não se ouviu – “há tanta coisa que uma pessoa nem sabe o que há-de escolher”...
Há, no entanto, que alertar as pessoas que não dispõem de uma educação para os Media, que o excesso e o bombardeamento de informação traz consigo o “info-lixo” e o Zapping, e a consequente desinformação.
Uma das formas que as empresas encontraram de lutar contra o “reinado da infidelidade”, foi precisamente impondo o oposto – a Fidelização! Está comprovado que é mais rentável fidelizar um já cliente do que atrair um novo. Daí surgem as campanhas de subscrição de serviços, promoções, vales, descontos e clubes com cartões e suas regalias: ao género do cartão minipreço ou os pontos da Galp (que não poderia deixar de mencionar :)); o Actimel “1 por dia todos os dias”, a “equipa Actimel” que assim fideliza as pessoas, com testemunhos da prova Actimel e a eficácia científica dos 10 milhões de L-casei imunitass. :)

-Prazer– As empresas exploram cada vez mais essa característica humana que é a indissociável e inevitável busca do prazer. Constróiem-se estratégias que levam ao consumo, simplemente por essa fraqueza humana e pela exigência de que o consumidor faz de ter conforto e prazer no que consome. Falamos por exemplo de comida que contém aspectos prazerosos como a satisfação de ânsias por doces (gelados como o Magnum e chocolates) ou por outras comidas consideradas deliciosas pelo consumidor. Nas mãos das empresas, os consumidores tornam-se marionetas que cedem aos produtos luxuriantes que as empresas lhes oferecem. Por sua vez, as empresas vêem-se obrigadas pelos consumidores a inventar pedaços de prazer em cada produtos que ponham disponível no mercado. Até mesmo nos produtos considerados mais salutares (como por exemplo os iogurtes e sumos sem gorduras prejudiciais), têm a acrescida tarefa de vender prazer para conseguir convencer os clientes, que regra geral preferem esses produtos a irem a um ginásio ou algo que exija igual esforço (facilitismo e comodismo inerentes às necessidades humanas). Como exemplo nos iogurtes, encontramos a campanha publicitária da “Daníssimo” da Danone, que mostra pessoas famosas (actriz Maria João Bastos numa banheira de espuma; antigamente o cantor Luís Represas e a estilista Fátima Lopes) a desfrutarem de um aparente enorme prazer em degustar o tal iogurte.

- Interactividade – Os cenários virtuais (jogos, simuladores, entre outros) são uma realidade cada vez menos distante. Ao contrário do que todos dizem, a meu ver, francamente penso já estar a estagnar ou em nível de estabilidade essa história da necessidade de interactividade. Penso que nos próximos tempos depois de haver o boom dos telefones de 3ª geração, assistiremos ao declínio dessas necessidades. Penso desta forma porque vejo que as pessoas irão fartar-se da tal excessiva abundância de instrumentos um tanto invasivos que não só promovam a interactividade mas a exijam e a imponham. Porque não simplesmente chegar a casa e querer ver televisão sem ter que ter o esforço de interagir com ela? Apenas poder disfrutar da distracção e entretenimento sem que nos exijam feedback a toda a hora. Parece-me agradável. Se calhar como já ouço falar de interactividade em tudo quanto é aula por estar em Digital, Interactiva (ora pois), acabo por querer contrariar um bocado. Mas sim, as empresas usam de características dos jovens (como os da Geração C e dos espectadores “demasiado” activos) para expandir a hipótese da interactividade que de início acredito ser viciante, nos telemóveis, nos programas de televisão (a dita tv interactiva ainda não completamente introduzida em Portugal) e outros. Também se cria um círculo hermenêutico pois os clientes têm necessidade de interactividade (o ser humano indissociável da comunicação interpessoal e interactiva), as empresas dão-lhes produtos interactivos e por sua vez usam-se do retorno dos clientes para darem-lhes instantaneamente mais e melhores produtos (mais personalização e segmentação em menos tempo) que promovem a interactividade e por aí fora. Temos o exemplo recente da Skip que pede aos seus consumidores que digam o que a marca deverá inventar a seguir, dando-lhes hipótese de participar, criando e sugerindo no website da marca.

- Mobilidade – Temos como exemplo as capacidades e funcionalidades dos telemóveis, dos portáteis, dos leitores de MP3, das pen drives...
Cada vez mais existe a necessidade de termos connosco em qualquer sítio do mundo onde estejamos, todos os nossos contactos e dados. Levamos a vida atrás (um pouco como os caracóis) para qualquer lado que vamos. As empresas vão de encontro a essa necessidade criando objectos de armazenamento de dados cada vez mais potentes, leves e compactos, para melhor portabilidade. O Homem é cada vez mais um “cidadão do Mundo” literalmente, como Sócrates antevia já na Antiguidade. Não somente pela sua mobilidade que é cada vez mais confortável mas também por se encontrar imerso numa sociedade em redes que faz com que o Homem se dilua e se expande até aos confins do Mundo muitas vezes apenas através das suas digitais (viajando na Net). A comunicação é cada vez mais instantânea para o outro lado Mundo e assim as fronteiras são completamente abolidas.

- Desmaterialismo – Uma das características da Rev. Digital é precisamente a hipótese de tornar tudo mais leve, mais compacto e de transmissão veloz, através do processo de digitalização. A existência material das coisas dá lugar à técnicidade da desmaterialização e torna-se essencial adquirir competências e conhecimentos para lidar com esta nova realidade. Como exemplo temos o dinheiro, os livros, os jornais e outros suportes físicos que permitem o Conhecimento, as fotografias, as vidas quase inteiras que passam a ser zeros e uns, numa linguagem algorrítmica e sem presença física mas sim na Internet, a rede global da Informação. Se todos somos potenciais produtores de informação para essa rede, temos de desenvolver capacidades de resposta para a mudança que provoca a ausência de materialidade de tudo o que conhecemos (por exemplo backups de dados). Uma das boas consequências da desmaterialização é a política do paperless, menos aparelhos obsoletos de burocracia e uma economia leve, compacta e portátil. O nosso dinheiro está no ecrã do Multibanco, nos monitores dos computadores com o e-Banking ou mesmo nos pequenos visores dos telemóveis, tal como todos os nossos contactos.

- Pós-figurativismo – Frequentemente os consumidores ou utilizadores finais de produtos cujo público-alvo são as Crianças, são na verdade os seus pais que detêm o poder de compra. Daí que as várias empresas tenham claramente isso em conta e ponham em acção estratégias visando atrair os filhos e convencer os pais. Posso dar como exemplo a campanha recente da Calvè Kids, cujo anúncio publicitário mostra uma mãe a tirar a embalagem de ketchup das mãos do filho para pôr-lhe ainda mais ketchup no prato; e tudo isto porque segundo o anúncio agora o ketchup vem com metade do açúcar e muito mais saudável. É frequente a utilização de crianças e jovens actualmente nos anúncios pois desta forma “atinge-se” a família toda.
Vi há pouco também o novo produto da Compal, “Compal Essencial”, que tem uma adorável criança (na fase de que Piaget apelidava como “a fase dos porquês”) para convencer os consumidores de que é importante comer fruta (que sabemos ser saudável) e portanto como muita gente não come fruta, por não ter tempo, entre outros, a Compal inventou um concentrado de fruta, bebível, que equivale a uma peça de fruta.
A publicidade também faz uso da sabedoria dos jovens, por exemplo na campanha da Reciclagem e do “ecoponto pequeno!”, para levar todas as pessoas a aderir às novas tecnologias e novos hábitos.

- Era do Feminino – O fenómeno que me parece estar a acontecer é de que chegou-se inevitavelmente à Era em que as mulheres são tantas e têm liberdade para lutar pelos seus direitos e pela sua voz activa, que o mundo patriarcal em que vivíamos passa a sofrer uma inversão. Finalmente se chegou à conclusão de que são as mulheres que predominam na inteligência emocional que é a que, cada vez mais, é fulcral para o Mundo em que vivemos. Além disso são as mulheres que comandam (decisoras do consumo) e organizam a primeira instância do sistema organizacional e institucional em que vivemos – a Família. A sua capacidade de ser multitarefas (como o Windows :)) viu-se determinante para ser ao mesmo tempo mãe e executiva. As características femininas são agora+valorizadas e tidas como mais-valia nos homens. Vemos a Publicidade fazer uso desse novo síndroma da feminilidade. Falo de anúncios em que são os homens que lavam a loiça, que vão buscar os filhos à escola e que aderem à vida doméstica sem preconceitos.

P.S.: Prolonguei-me neste post por querer aflorar todas as dimensões mencionadas pelo Dr. Rui Marques e por ver que até então os meus posts foram substancialmente mais curtos que os que vi nos outros Blogs. Este será então para ser lido aos poucos por ser enorme. :)

1 comentário:

Carla Ganito disse...

Tem razão quando diz que é extenso. Deve procurar fazer uma síntese das suas ideias porque textos muito extensos não são muito adequados para os blogues. Mas tem exemplos muito interessantes e pertinentes.